Chico Alencar

Projeto Andrews 90 anos

Entrevista com Chico Alencar

Rio de Janeiro, 1 de junho de 2007

Entrevistadora Regina Hippolito

 

Quando nasceu e onde fez seus primeiros estudos?

 

CA: Sou carioca da Tijuca, filho de piauiense com paulista do interior. Sou produto do processo de urbanização brasileiro. Duas pessoas da roça que me geraram aqui no Rio, onde meu pai, funcionário público, trabalhava como jornalista do Ministério da Agricultura.

Eu aconteci em meados do século passado. Estudei no Jardim Escola Elsa Campos, na Tijuca. Fiz o Ginásio no Colégio Marista São José, na rua Barão de Mesquita. Depois cursei um ano no Colégio Pedro II, em São Cristóvão. O antigo Clássico eu fiz no Colégio de Aplicação da UERJ. Para mim foi muito marcante esse trânsito do ensino marista para o ensino público, e de muita qualidade. O Pedro II e o Colégio de Aplicação me abriram um mundo. Fiz vestibular para a Universidade Federal Fluminense e cursei História lá, em tempos absolutamente sombrios. Foi nessa etapa, bem jovem,que o Andrews começou a acontecer na minha vida.

 

Como foi esse seu primeiro contato com o Colégio Andrews?

 

CA: Por incrível que pareça, eu entrei no Andrews para dar aula graças à ditadura. O professor de História do Brasil era o grande, saudoso e querido mestre Manuel Maurício de Albuquerque. O Rubim Santos Leão Aquino, meu amigo até hoje, dava História Geral; ele tinha sido meu professor no pré-vestibular. O Manuel Maurício foi preso pelo regime e o Aquino, que dava aula na terceira série do segundo grau do Andrews, que funcionava num prédio em Copacabana, esquina com a rua Bolívar, sugeriu meu nome. Isso foi em 1972, quando eu ainda era estudante de História.Eu já tinha dado aula em alguns cursinhos de Madureza e em cursos de comunidades pobres em um trabalho social, político e educativo, mas, de repente, eu estava diante dos alunos do Colégio Andrews.

 

Como foi esse seu contato com os alunos?

 

CA: Eu tinha quase a mesma idade que os alunos, era um desafio e tanto. Tínhamos um clima de muita amizade, muita aproximação, mas, ao mesmo tempo, tínhamos que ter as fronteiras definidas entre professor e alunos. Quando comecei eu me esmerava, caprichava. Ser professor do Andrews era ser um professor bem remunerado no Rio de Janeiro. Foi uma experiência fascinante porque fui aprendendo a ser professor ali. Eram turmas grandes (60 a 70 alunos). Por ali passaram pessoas que ficaram muito conhecidas da vida artística, cultural, esportiva, intelectual.

 

Sua experiência foi só no terceiro ano ou você pegou outras turmas?

 

CA: Sempre dei aula no terceiro ano. Quando houve a transferência para a Visconde de Silva, eu vi aquele prédio surgir, fui dar aulas lá.

 

Quanto tempo você deu aula no Andrews?

 

CA: Durante 10 anos. O Edgar era meu diretor e amigo. Tenho muito orgulho dos meus alunos, como minha amiga Cristiane Torloni, que era muito boa aluna. Quando a encontro, ela me diz que não se esquece das minhas aulas quando se fala num tema da História do Brasil. As pessoas sempre se lembram de músicas e poesias que eu colocava para tocar nas aulas, de acordo com o tema de História do Brasil que se estava trabalhando. O Andrews foi uma escola para mim, escola de viver docentemente. Quando eu saí, os alunos protestaram, houve negociações, uma coisa muito comovente. Foi uma etapa vencida e vivida, e muito boa. Eu deixei lá muitos amigos.

 

Quais foram os professores com quem você conviveu?

 

CA: O Aquino me indicou para a cadeira do Manuel Maurício, que depois saiu da cadeia, mas não quis dar mais aulas lá, e nós continuamos amigos. O Maneco gostava de ir ao cinema no Paissandu e depois fazer uma discussão sobre os filmes do Antonioni, do Bertolucci, do Godard. Tive o Arthur Sette, meu coordenador durante muito tempo; no começo era o Mário Boavista. O Eraldo Ravasco Maia, professor de Literatura. O César, de Física. O Murilo. A Lúcia Hippolito, que trabalhava com História Geral. Era um ambiente de coleguismo muito bom, às vezes organizávamos um futebol na quadra aos sábados. O ano passado um ex-aluno me mandou uma fotografia do nosso time de professores, que disputava contra o dos alunos. O Guimarães Rosa diz que toda saudade é uma forma de velhice, mas acho que também é um atestado de vida. A memória que tenho do Colégio Andrews me cai muito bem.

 

O ambiente do trabalho é um pouco da nossa vida. Qual foi a importância do Andrews em sua vida?

 

CA: Quando você faz uma faculdade de História e quer se qualificar como docente você tem que fazer a licenciatura pela Faculdade de Educação para poder lecionar. O Andrews foi realmente a minha escola de licenciatura. Eu tinha que preparar os alunos para o vestibular. Como tinha uma remuneração boa, pude comprar o meu primeiro carro, que era um fusca azul, zero quilômetro. Eu saía da Tijuca para estar lá no horário, as aulas começavam às sete horas e dez minutos da manhã. O Andrews era um colégio laico, mas com um rigor muito grande em termos de conteúdo e disciplina. O que não impedia os alunos de, às vezes, aprontarem algumas. Na esquina da Bolívar com a Nossa Senhora de Copacabana tinha uma loja de frutos do mar. Um dia um aluno comprou uma caixa de rãs vivas e as soltou em sala de aula, foi uma confusão. Eu aprendi a ser professor no Andrews, isso favorece a interlocução com as pessoas, é a essência da atividade docente, também é da essência da atividade de quem está na vida pública, sobretudo no Parlamento. Eu diria que o Andrews me ensinou a ser cidadão com essas características que eu tenho.

 

De uns tempos para cá muitas escolas fecharam. O que você acha que o Andrews tem que ele está fazendo 90 anos em 2008?

 

CA: Uma coisa rara. Acho que o espírito das fundadoras, aquele amor pedagógico, aquela proficiência, aquela retidão, aquele empenho, aquela opção preferencial pelo ato de educar, criou na família um compromisso de vida; quem foi sucedendo as pioneiras acabou por consolidar uma escola que vai ser centenária, que nunca pretendeu se expandir muito, virar um grande negócio da educação. O Andrews é um pouco maior do que quando nasceu, mas ele nasceu com fundamentos muito fortes e nunca quis virar um arranha-céu, se contentou em ser um sobrado. Mesmo o prédio novo, na rua Visconde de Silva, nunca foi gigantesco. O Andrews nunca quis ser um empreendimento educacional, e sim ser o Colégio Andrews.Eu creio que essa opção por não ser mais do que poderia ser garante essa longevidade. É uma escola privada que tem um compromisso social com a educação, com o fazer pedagógico, não faz parte do conglomerado do ensino mercantil, que aí é efêmero mesmo.

 

Você tem saudades da sala de aula?

 

CA: Tenho muitas, por isso, na minha atividade, garanto uma vez por semana alguma palestra em uma unidade de educação. Semana passada eu estive na Faculdade Santa Dorotéia, em Nova Friburgo, para falar de Paulo Freire. Hoje a Associação dos Juízes Federais me chamou para dar uma aula sobre a questão do foro privilegiado. A semana que vem tenho outra escola do ensino médio para ir. A vida parlamentar não é perene, sou professor e estou deputado. Sou professor da UFRJ e acho que tem também um tempo de você estar na vida pública; se você faz disso uma profissão, você fica suscetível a se acomodar, e alguns até a se corromper. Eu quero encerrar os meus dias com o giz na mão, numa sala de aula.

 

Muito obrigado, Chico, pelo seu depoimento.

 

 


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