Maria Luisa Heilborn

Projeto Andrews 90 anos

Entrevista com Maria Luisa Heilborn

Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2007

Entrevistadora Regina Hippolito

 

Onde e quando você nasceu?

 

MH: Nasci em maio de 1954, no Rio de Janeiro.

 

Quem foram seus pais?

 

MH: Meu pai foi Carlos Heilborn. Estudou no Andrews, era empresário, fez administração de empresas nos Estados Unidos. E minha mãe, Maria Alice, tinha só o segundo grau, e estudou no Sacre-Coeur de Marie. Ambos eram cariocas, mas eram da primeira geração de imigrantes, do lado do meu pai alemão e da minha mãe portugueses.

 

Onde você fez seus primeiros estudos?

 

MH: No Colégio Souza Leão, que era também um colégio de vanguarda nos anos 60. Fiz lá a pré-escola, o jardim de infância e o pré-primário. Mas mamãe era muito católica e queria que as filhas estudassem em colégio religioso. Então eu e minha irmã fomos para o Sacre-
Coeur de Marie. Meu irmão foi para o Andrews. O que era objeto de discussão intensa, assim que pude me articular; eu me ressenti muito de estar em um colégio religioso e meu irmão não.

 

Você ficou no Sacre-Coeur até quando?

 

MH: Até o final do Ginásio porque a minha mãe insistia. Ela gostaria até que eu ficasse mais, mas foi um momento de ruptura familiar, de intenso debate, e eu me matriculei no Andrews para fazer o Clássico. Na minha família tinha uma discussão sobre educação de meninas e de meninos. Eu perguntava por que meu irmão não estudava no São Bento, mas tinha havido certa partilha na minha casa em relação a quem geria a educação dos meninos e das meninas.

 

Quando você foi para o Andrews?

 

MH: Em 1970. Ir para o Andrews foi uma experiência muito importante para mim. Meu irmão tinha feito o primeiro ano Científico e não tinha passado. Então, fizemos o Clássico juntos, mas em turmas separadas.

 

O que você se lembra do curso Clássico?

 

MH: Para mim foi uma descoberta, um arejamento intelectual e existencial maravilhoso. Foi uma grande conquista. Primeiro por causa da Lúcia Hippolito, razão pela qual fui fazer História. Quando entrei no colégio com a ideia de tentar o Instituto Rio Branco, eu ia fazer Direito para fazer o concurso do Itamaraty. Mas o fato de ter me exposto naqueles anos de ditadura a professores formados em Ciências, Geografia e Filosofia, que eram pessoas com formação de esquerda, ou pelo menos com cabeças bem abertas, fez com que eu revisse meu projeto de vida. Fui aluna do Manuel Maurício, do Maia, que dizia: “desmaia nos meus braços”. O que na verdade foi importante é que tinha uma variedade de personagens, de cabeças, e para quem vinha de um universo de colégio de freiras, onde quase todas as professoras são mulheres, foi uma experiência extraordinária. Foi uma virada na minha vida. Quando decidi que não ia servir a ditadura, decidi que não ia fazer Direito. E resolvi por estar deslumbrada com as perspectivas do ensino da História, e dos colegas.

 

E de seus colegas você se lembra?

 

MH: Sim. Um grande influenciador meu foi Henrique Antum, hoje em dia ele é professor de Filosofia da PUC. Ele foi meu colega e eu fui aluna da mãe dele, que era professora de Filosofia. Foi fundamental esse nosso contato, tínhamos um grupo, saímos juntos, era super importante. Outra pessoa que foi minha colega foi a Ângela Porto, filha do Stanislau Ponte Preta. São pessoas que hoje em dia eu encontro na minha vida profissional. Ângela é historiadora e trabalha na Casa de Oswaldo Cruz. Tinha outros amigos, mas a vida profissional acabou mudando. O fato do colégio ser misto foi outra experiência muito significativa. Como eu vinha de uma escola católica muito fechada, o fato de ter convivido muito com pessoas judias fez com que meu universo abrisse. Tinha um núcleo judeu muito forte no Andrews. Eu adorava o fato de o colégio permitir que a gente celebrasse os feriados católicos e judeus. Não só pelos feriados, mas era uma experiência da diversidade religiosa. Era uma diversidade ideológica, política, cultural. Era muito importante isso. E na verdade eu chego a conclusão de que o fato de eu ter grandes amigos judeus não tem a ver necessariamente com o colégio, mas com o fato de frequentar famílias judias. Eu conheci uma diversidade cultural bastante diferente daquela que eu vivia. Foi uma experiência muito boa.

 

Você fez vestibular quando e para qual faculdade?

 

MH: Em 1972. Fui fazer História na PUC. Quando estava no segundo ano, fui chamada para dar aula no Andrews. Na época existia uma espécie de autorização provisória para dar aula. Eu comecei a dar aula de História medieval na quinta série do Andrews.

 

Quando foi isso?

 

MH: Em 1974. Dei aula durante uns dois anos. Isso também foi uma experiência muito importante para mim, foi meu primeiro emprego de carteira assinada como instrutora. Embora a minha família tivesse recursos, eu queria muito me profissionalizar, tinha um valor muito claro minha autonomia financeira diante da família. Quando me formei, fui chamada para dar aula no colegial. Dei pouco tempo de aula lá. Eu me lembro que na época o coordenador de ensino do primeiro grau lamentou muito a minha saída dizendo que eu tinha muito talento para dar aula para criança.

 

Quando você se formou?

 

MH: Eu me formei em 1977 e logo fui chamada para dar aula na PUC. Então eu saí do Andrews. As aulas de história medieval me marcaram. Tive que descobrir como interessar crianças de oito ou nove anos pela matéria. Eu desenhava castelos, fazia atividades desse tipo.

 

E no colegial, você dava aula de que?

 

MH: De História Contemporânea. Depois fui dar aula na PUC no ciclo básico e estava trabalhando no Cpdoc como estagiária e depois pesquisadora. Mais tarde fui fazer mestrado e doutorado em Antropologia. Agora fiz pós-doutorado em Sociologia e Demografia.

 

E hoje, onde você trabalha?

 

MH: Na UERJ, no Instituto de Medicina Social, onde sou professora adjunta e coordeno uma iniciativa chamada Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos, um projeto financiado pela Fundação Ford. Eu trabalho em uma área que não é o foco da antropologia, é chamada de Saúde Coletiva.

 

Você destacaria algum elemento na orientação pedagógica do Andrews?

 

MH: Primeira coisa era a excelência dos professores. Existia uma preocupação muito forte em chamar professores de nível. E, sobretudo, nos anos em que fui aluna, havia certo destemor em relação a possível repressão política. O colégio tinha essa ideia de promover o espírito crítico. Isso era uma característica muito interessante. Mais tarde, eu me lembro de algumas atividades para orientação vocacional. Já como professora eu vi o que o colégio fazia nessa linha. Depois fui convidada para participar da Semana Ocupacional. Acho que isso é algo muito interessante que o colégio faz. Há dois ou três anos eu fui convidada para ir ao segundo grau do Andrews dar uma aula sobre sexualidade. Pediram um texto meu, falaram na pesquisa que eu estava fazendo. Isso mostra algo bastante interessante, tanto para os alunos quanto para os professores. Essa história do espírito crítico e da ideia de prover certa visão mais ampliada de quais podem ser as possibilidades profissionais.

 

Qual foi a importância do Andrews na sua vida?

 

MH: Foi muito importante. Pensando sociologicamente cada vez mais nós sabemos que a escola é um fator de socialização fundamental e, hoje em dia, mais importante do que a família. O grupo de amigos, de pares que você forma na escola é fundamental para sua formação de visão de mundo e para suas escolhas e formas de relacionamento. Eu estudo a juventude e vejo como é impressionante o impacto que isso teve na minha vida pessoal. Por força das escolhas parentais eu estava destinada a um colégio religioso que me deu uma boa formação, mas que era absolutamente careta, completamente restritivo, inclusive do ponto de vista moral. Filhos de pais separados não eram bem aceitos em colégios religiosos. Essa era a minha experiência no Sacre-Coeur de Marie, onde eu e a Regina Casé éramos as duas únicas filhas de pais separados, o que nos aproximou. Quando cheguei no Andrews isso era irrelevante. Por isso o colégio foi muito importante do ponto de vista pessoal, do impacto que teve de abertura, de arejamento da minha vida; e do ponto de vista intelectual. Eu não fiz grandes amigos nesse período, mas foi uma verdadeira guinada em termos de abertura, inclusive isso modificou a minha visão profissional.

 

De uns tempos para cá muitas escolas fecharam, o que você acha que o Andrews tem que está resistindo ao tempo e vai fazer 90 anos em 2008?

 

MH: Na minha casa era tradição, meu pai tinha estudado no Andrews.  Por isso, eu queria ir para lá. Acho que o Andrews pegou um nicho de mercado que é a classe média alta, ou a classe média que busca uma educação importante. É difícil explicar quais são as razões pelas quais o colégio persiste. Como é uma empresa familiar, há um empenho de diversas gerações nessa aposta de manter um envolvimento. Aquilo não é percebido apenas como negócio, é uma vocação. É claro que tem que dar lucro porque é um colégio privado. Tem um empenho em manter isso. Eu imagino que os dirigentes do colégio tenham sido extremamente hábeis em lidar com momentos de crise, ajustarem para ficar e, sobretudo, se manter. Implica uma vocação para o trabalho. O trabalho de ensino implica, de fato, um a mais, de dedicação do que se faz. Ensinar é uma relação de transferência. É fundamental que o colégio perceba que essa dimensão da paixão, e não apenas negócio, seja importante. Acho que isso pode explicar o sucesso do colégio. Certamente pessoas que estudaram lá e tiveram filhos também teriam essa sensação de um colégio que se mantém na crista dos bons colégios do Rio de Janeiro. Essa é a razão para explicar a permanência do Andrews. A excelência de professores, acho que é um colégio que busca isso. Realmente é um fato extraordinário inclusive sendo laico, porque conhecemos escolas religiosas judaicas e católicas que permanecem; no laico é mais complicado.

 

Você quer acrescentar alguma coisa?

 

MH: Eu tenho ótimas lembranças do colégio. Excelentes impressões. E por força de eu ter sido exposta nos anos do colegial a professores de muita qualidade, isso deu uma guinada de vida, inclusive de posição política. Eu vim de uma família bastante conservadora em termos políticos, e isso abriu meus horizontes. Eu já era um pouco crítica em relação ao meu núcleo familiar. Eu era prima do Paulo Francis, isso também faz diferença, mas ele era um pouco a ovelha negra da família. O Andrews me deu uma abertura existencial além da intelectual muito forte. Foi muito importante para mim.

 

Muito obrigada pelo seu depoimento.

 


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