Victor Notrica

Projeto Andrews 90 anos

Entrevista com Victor Nótrica/ Professor

Rio de Janeiro, 29 de abril de 2007

Entrevistadora Regina Hippolito

 

Onde e quando o senhor nasceu?

 

VN: Nasci em 1933, em Antuérpia, Bélgica. Com a guerra, em 1940 fomos para a Itália e depois para Portugal. Meu pai era italiano e era muito perseguido porque era antifascista, monarquista e judeu. Em janeiro de 1941 chegamos ao Brasil. Estudei no Colégio Anglo-americano até a quarta série primária e terminei o curso no Colégio Melo e Souza. Sempre tive paixão por Geografia.

 

De onde vinha essa sua paixão por Geografia?

 

VN: Desde o Primário, eu adorava fazer mapas e pesquisar o Atlas. Tive uma excelente professora de Geografia no Colégio Melo e Souza, Lucia Abreu; e no Científico, o professor Carlos Mauri Cantão. Eu me apaixonei então pela Geografia. Mas, como não queria causar desgosto para minha mãe, já que eu gostava também de Química, resolvi fazer vestibular para a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil para cursar Química. Lá, eu filava aulas de Geografia. E conheci dois professores que se tornaram grandes amigos: Maurício Silva Santos, de Geografia, e José Luís Werneck, de História. Continuei mantendo algum contato com a Geografia, mas me encantei com a Química. Fui aluno do professor Ernesto Tomaskin. Na licenciatura, reencontrei meu professor de Química do Científico, Albert Hebert. Desde os tempos do colégio, ele me dizia que eu tinha jeito para professor. Fui muito estimulado por ele, e também pelos professores Tomasquin e Cristóvão Cardoso (que foi professor do Andrews).

 

Quando o senhor se formou?

 

VN: Em dezembro de 1955. No início do ano seguinte consegui uma bolsa do CNPq para trabalhar com bioquímica no Instituto Nacional de Tecnologia, onde fiquei dois anos. O professor Albert Hebert me convidou para assumir a cadeira de Química no Colégio de Aplicação, larguei então a bolsa porque tinha que sustentar a família. Na ocasião, o professor Tomaskin, que também trabalhava no Instituto de Tecnologia, me disse que o professor Gildásio Amado, que era titular de Química do Colégio Andrews, estava se aposentando e que ele queria me apresentar ao colégio.

 

 

Foi esse seu primeiro contato com o Andrews?

 

VN: Foi, mas eu sonhava com o Colégio Andrews, que, para mim era a mesma sensação que um jovem francês tinha de entrar para a Sorbone. O Tomasquin me levou e fui muito bem recebido. O carinho e a forma afetuosa do professor Carlos Flexa Ribeiro me marcaram muito. Foi meu primeiro contrato com carteira assinada. Eu não tinha ainda 22 anos e o Andrews era um verdadeiro Butantã, só tinha cobras, fantásticos.

 

Quais turmas o senhor assumiu?

 

VN: As do primeiro ano Científico. No meu primeiro dia de trabalho fui recebido pelo coordenador João Mota Paes. Ele me perguntou: “você já trouxe sua carteira de trabalho?” Respondi que não. Ele disse: “o senhor vai trazer isso até amanhã se não o senhor não assume nenhuma turma”. A minha vontade era sair correndo tamanho o medo que fiquei do Mota Paes. Depois o Tomasquin me apresentou aos professores Ramalho, Cristóvão Cardoso, Alcides Lourenço Gomes etc. O professor Ramalho me falou: “o cadete não se assuste, o Mota Paes tem esse jeitão, mas você vai gostar muito dele”. De fato, no dia seguinte eu trouxe a minha carteira profissional e o Mota foi sempre muito leal e muito atencioso comigo. Foi muito gratificante esse primeiro contato, e todos os professores foram extremamente gentis. O professor Matoso Câmera de Português, um papa, carinhoso sempre; o Garcia Rosa; o Jorge Coutinho; o Ardity; a madame Jacobina; todos encantadores, eu me senti acolhido, como um filho sendo recebido por uma família. Os alunos daquela época recebiam os professores de outra maneira, eu tinha que ir de paletó e gravata. Me chamou a atenção um menino que perguntava e participava muito, ele queria saber das coisas. Fui reencontrá-lo 30 ou 40 anos depois, é o jornalista Cláudio Bojunga. Em 1958 me chamaram para lecionar nas turmas do Clássico.

 

Como foi a experiência do senhor dando aula para as turmas do Clássico?

 

VN: Foi muito boa. Foi a primeira experiência que tive do que hoje chamam de temas transversais e interdisciplinaridade. Eram turmas muito agradáveis. Levávamos os alunos do Clássico a Volta Redonda para conhecer a Companhia Siderúrgica Nacional e tínhamos discussões relacionadas com Geografia, o problema do carvão, do minério etc. Fizemos uma caravana de carros no ano em que o Flexinha era meu aluno com um dos irmãos Lacerda, e ficamos muito amigos. Tinha um aluno educadíssimo, finíssimo, Harven Ribeiro Souza, que me disse que tinha vontade de fazer Direito, mas agora queria fazer Medicina, por causa das minhas aulas sobre bioquímica. Depois, eu vim a prepará-lo para o vestibular, ele passou para a Faculdade Nacional de Medicina e foi um médico brilhante. A filha dele foi minha aluna também. Tinha figuras curiosíssimas: o Ari Coslov, que foi fazer arquitetura e hoje é diretor de teatro; o Zózimo, uma pessoa adorável; a Ana Maria Horta, encantadora, brilhante aluna; o Luís Felipe Lampreia; o Flexinha, que é uma pessoa muito querida. Eu cheguei a ser paraninfo de turma de Clássico.

 

O senhor acumulou as turmas de Clássico com as do Centífico?

 

VN: Sim. E já tinha iniciado nas turmas do terceiro ano Científico, nas quais tive alunos fantásticos. Depois, quando quem dirigia o colégio era o Edgard Azevedo, nós tivemos as turmas de convênio dos cursos pré-vestibular. Eram salas exclusivas dos alunos do Andrews. Lá talvez tenha tido os melhores alunos, que hoje são talentos: o João Frazão, o Marquesin, Luís Davidovsch , Júlio Mercer , que é médico em Indianápolis (EUA), Gilda Laroque etc. todos sempre muito amigos, Era um prazer conviver com eles.

 

O senhor pegou várias Direções a frente do Andrews, existiu alguma diferença entre elas?

 

VN: O Carlos Flexa Ribeiro foi quase um pai para mim. Guardo na memória a carta incrível que ele me mandou quando fui para Barcelona me casar; é um fato que enriquece meu currículo afetivo de uma forma fantástica. Como o Carlos Flexa Ribeiro acho que não teve ninguém. Ele vivia muito o colégio. Foi uma figura importantíssima da minha história.

 

Qual foi o período que o senhor ficou no Andrews?             

 

VN: Entrei em 1956, trabalhei na Praia de Botafogo até 1968. Depois trabalhei nos convênios enquanto eles existiram. Tínhamos as turmas que vinham de manhã e voltávamos a tarde para o Colégio Andrews, dava aula de revisão, aplicava provas.

 

Quando o terceiro ano foi reassumido no colégio, o senhor voltou a dar aulas?

 

VN: Não, porque o grupo do Curso Miguel Couto adquiriu o Colégio Princesa Isabel, em Botafogo, e por uma questão basicamente ética eu não voltei para o Andrews.

 

O senhor identifica fases diferentes no Colégio Andrews?

 

VN: Identifico muito condicionadas às bagunças de legislação que houve no Brasil na parte de educação. Até 1971, a escola tinha uma função basicamente instrucional e era temperada pela parte educacional. Em 1971, com a lei 5692, criou-se um tumulto tremendo, unificação de vestibular, desunificação de vestibular, profissionalizante; ficou muito na base da irresponsabilidade do legislador, o ministro assinava uma medida qualquer, aquela medida era implementada, depois vinha outro que mudava tudo. Tanto é que a 5692 teve vida muito curta. Isso perturba muito o trabalho de educação no país. A cada 10 anos temos uma nova lei, não dá nem para avaliar os resultados que se fez. É saudosismo, mas era muito melhor.

 

O senhor participou da experiência de cursos experimentais no Andrews? Como foi?

 

VN: Uma delícia. Não tinha nenhum compromisso hermético de programa. Era uma descoberta de parte a parte, o aluno descobria o professor e o professor descobria o aluno, encontrando as áreas de interesses, as aptidões. Dentro da minha matéria abriu um terreno muito amplo na parte de laboratório, no modo de avaliação. Em dois colégios eu tive essa experiência muito positiva, no Andrews e no Brasileiro de Almeida; curiosamente, no Colégio de Aplicação não deu tão certo. A do Andrews foi maravilhosa.

 

Quando começou e por que acabou?

 

VN: Porque mexeram demais nas leis. Nas classes experimentais tinham aqueles grupos de ciências humanas, de ciências tecnológicas e de ciências biológicas. Com isso podia se aprofundar. E começou um vício nacional sobre o que caía ou não no vestibular, e com isso acabou matando essas classes experimentais.

 

Teve alguma lei que proibiu a existência desses cursos?

 

VN: Não. Foi acabando naturalmente. Era muito bom. Mas a própria família já não está mais valorizando isso, ela está muito imediatista, querendo saber qual é a nota mínima para passar de ano; não está olhando muito a vocação, as aptidões dos alunos.

 

Esses cursos experimentais permitiam perceber essas aptidões?

 

VN: Sim. Eu tinha uma convivência diária com os alunos. Fazíamos estudo dirigido, integrávamos Física, Química e Biologia; era muito gostoso. Você se sentia produzindo e não apenas executando.

 

O senhor destacaria algum ponto na orientação pedagógica do Andrews?

 

VN: Atualmente não sei avaliar, mas na minha época tinha o recurso humano de orientação pedagógica, que era mais uma orientação afetiva, que era o trabalho da Guilhermina Sette, do Aluísio Machado, e da equipe de professores. Os professores conheciam quase todos os seus alunos pelo nome.

 

O senhor acha que com essa nova Direção no Andrews, essa reunião do colégio todo na Visconde de Silva, houve alguma mudança nos rumos do colégio?

 

VN: O Andrews da Praia de Botafogo eu comparo com a Faculdade Nacional de Medicina da Praia Vermelha para o Fundão. O Andrews da Praia de Botafogo era solene, e havia um habitus da comunidade de frequentá-lo.

 

O ambiente de trabalho é parte fundamental da vida da gente. Qual a importância do Andrews na sua vida?

 

VN: Foi um presente. Eu escolhi fazer a licenciatura por vocação. Na minha geração o sonho do professor era poder trabalhar em um colégio da estatura do Andrews. Tudo que aprendi em termos de escola foi no Colégio Andrews, de vida de colégio, de paixão por colégio. Eu tenho paixão pelo Colégio Andrews. O Colégio Andrews é a pedra preciosa dentro do meu currículo, vale mais do que títulos. Eu devo muito ao Colégio Andrews.

 

Muito obrigado, professor, pelo seu depoimento.

 


« voltar

COLÉGIO ANDREWS

(21) 2266-8010

Endereço:
Rua Visconde de Silva, 161
Humaitá CEP 22271-043
Rio de Janeiro - RJ

Colégio Andrews
Todos os Direitos Reservados
@ 2017